Observando o comportamento das minhas irmãs de 11, 13 e 14 anos, que: entram casa adentro sem dar um “Oi”, que fazem suas refeições em frente a TV e passam o dia no computador sem ao menos desejar boa noite na hora de ir pra cama, percebi a diferença entre nossas gerações...
Nasci em 1989 e, mesmo sendo aparentemente pequena a diferença entre nossas idades, é tudo bem distinto. Temos a interferência da educação, da formação de princípios, do ambiente onde fomos criadas, das pessoas com quem nos relacionamos e convivemos, do contexto histórico e por aí vai... Enfim, NINGUÉM = NINGUÉM. Contudo, é gritante o desacordo do cotidiano e das idéias entre todas nós. O sentimento desta reflexão (e recordação) é de que me sinto privilegiada pelos belos anos da minha infância.
Nasci em Manaus e lá estive até final de 1999, antes de vir para o Acre de vez. Durante a infância aconteceram algumas poucas vindas de férias à Rio Branco e uns dois anos em Fortaleza, ainda bem pequena (saudades do mar). Quando criança tive o prazer de brincar na rua (ô coisa boa cara!), me sujava a ponto de ter tanta terra no corpo que dava para plantar verduras em algumas partes, sem falar na capacidade de movimentação e comunicação entre a gente (minha mãe brinca ao lembrar dessa época e diz que depois que fui embora o bairro sossegou). Eu saía de casa em casa e juntava tantos meninos e meninas que até Deus duvidava que existissem tantos pequenos projetos de gente na antiga Rua Nova (hoje Rua Adolpho Marques). Era menino de todos os tamanhos, idades, cores e personalidades. Tinha a tribo dos palhaços (eu estava por alí), os arteiros (eu também estava por alí), os mais brigões, os criativos (ixe, inventam cada uma...), as meninas mais tímidas, as fofoqueiras, as da galera, que se davam bem com todo mundo, os aventureiros, os que só apareciam na hora de comer, os que viviam se machucando nas brincadeiras, os apresentados, os representantes e os que todo mundo conhecia, (eu tava no topo), pois minha mãe gritava tão alto me chamando pra casa que até a galera do final da rua ouvia...
Adorava pular corda, elástico (eu acabava com todos os rolos de elástico da minha mãe, que era costureira), jogar futebol, vôlei – esporte que nunca fui boa, mas adorava brincar dos 5 toques com a bola... (e não era messssmo boa nisso), sempre pagava de pereba do time, conseqüentemente pegava cada cortada no lombo. Também tinha barra bandeira (uma linha na rua de ponta a outra dividindo duas equipes que tinham que pegar a “bandeira” do adversário – bandeira que na verdade não era bandeira, ou era um chinelo de alguém da galera, ou um ramo de mato mesmo, arrancado da calçada de algum vizinho. A gente se puxava tanto... dava rasteira em quem entrava no nosso campo como um capoeirista profissional e saía com o coro do joelho em carne viva, com os braços arranhados de tanto se puxar, e no final só uma boa e velha coca cola pra apaziguar as tantas porradas e brigas que aconteciam... Tinha “Taco Ball”, em Rio Branco chamam de Betes, tinha pára feijão, pega, esconde, estátua, peteca, que inclusive dava muita briga, pois quando fazia o circo pra “casar” cada um com a sua peteca, sempre tinha um engraçadinho que gritava de lá: TÁ FALTANDO, TÁ FALTANDO! Ai o pau comia!! A galera se jogava de facada nas petecas, neguinho que num casou saia com três na mão, neguinha que casou tacava a bifa pra tomar pelo menos a sua... Vixe, confusão total! A gente levantava pipa (ou papagaio) e tacava cerol (cola com caco de vidro moído na linha) só pra passar o rodo nas pipas dos moleques das outras ruas rsrsrs. Banho de rio no porto da balsa (ta certo que tinha até uma nata visível de óleo na água devido a grande quantidade de balsas e barcos que ali transitavam), mas na época ninguém se importava, achava até que ajudava no bronzeado, alias, até hoje não ouvi nenhum relato de doença relacionada ao fato, contudo talvez eu deva ter ficado mais negra por isso (kkkk). Pife no baralho ou dominó (mesmo sem saber contar direito), banco imobiliário, jogo da vida, dama, ludo e vários outros tabuleiros desses.
Tinha corrida apostando NADA, pois nunca ninguém pagava o 1 real ou a coca apostada. Roubar manga no cemitério era de lei... Carona na traseira de carros pra subir a ladeira, carrinho de rolimã (que também era uma forma de conseguir grana, já que havia um lugar no bairro que disponibilizava água de graça, então nos sábados nós fazíamos o serviço de “leva e trás” – “Leva o balde vazio e traz cheio que te pago 30 centavos moleque!” E lá íamos nós, toda a renda se revertia em peteca, pipa, horas de vídeo-game na locadora, coca-cola com pão doce, biscoito Parmalate, dentre várias outras coisas que a gente sempre comprava pra rachar com a galera. Também prestávamos outros serviços, limpeza de tumba no cemitério pro dia de finado (dava uma boa grana), uma tiradinha de fruta ou outra no quintal de algum vizinho, coleta de garrafa de vidro pra trocar por picolé com o cara da Kombi: - OLHA O PICOLÉ... TROQUE SUA GARRAFA POR UM PICOLÉ... gritava o cara no carro. Também tinha a coleta de alumínio para revenda, panela, telha, latinha... Nossa, como eu tinha coragem de trabalhar naquela época, hoje vou comprar pão de moto pra não ter que andar uns metros até a birosca perto de casa e no supermercado compro suco de caixinha pra não ter o trabalho de comprar fruta, fazer poupa, bater no liquidificador, adoçar, servir no copo e sujar pra lavar depois... Resultado da praticidade não é? Tecnologia à favor da facilidade, mercado que descasca por nós, mistura por nós, tempera por nós e inclui um monte de porcarias pra render e conservar, tudo isso baseado na desculpa da “falta de tempo” que nos torna mais preguiçosos a cada dia... triste não? Me sinto um pouco assim! Ivone me disse uma vez que minha geração é de “bocas moles”, que tudo é acessível sem o mínimo de trabalho, lembrei das castanhas que antes quebrava atrás da porta, descascava no dente e comia ali mesmo, fresquinha... e hoje compramos industrializada, descascada, temperada, desidratada e super cara.
Festa de Cosme e Damião, NOSSAAAA! Era o acontecimento do ano, havia toda uma programação feita pela molecada semanas antes do evento, tudo pra chegar na hora certa da distribuição dos melhores bombons, bolos, brinquedos e até refeições... Minha mãe ficava doida porque somos católicos e nesse dia a molecada toda ia comer e pegar bombom nos terreiros do bairro kkk. Sem falar na operação BAIRRO VIZINHO, para manter o estoque de bombons pro resto do ano não dava só pra coletar no São Raimundo... aí rolava a missão extra zona onde já sabíamos todos os terreiros e residências que distribuíam altos doces nas redondezas. Dor de barrida e lombrigas felizes, era o resultado de tudo isso.
Tive contato com o campo, nos sítio dos meus avós, brincando com os primos no mato, catando fruta no pé, tomando banho de igarapé, pescando, tirando leite de vaca, andando à cavalo, se intrometendo em fazer farinha, pé de moleque, doce de leite na panela preta, no fogão à lenha no fundo da casa, alimentando os porcos, moendo café, plantando macaxeira, cupuaçu, maracujá (isso chama-se trabalho infantil viu mãe!) e também acompanhando a tecnologia e o que tinha de bom na TV, locadoras de vídeo e no mundo dos games.
Adorava TV cultura, na verdade até hoje, claro que com uma pequena diferença na programação. Via religiosamente castelo rá-tim-bum com o Nino e a série rá-tim-bum que era bem louco, experimental, meio trash na verdade vendo hoje em dia (Fernando Meireles era produtor e roteirista desse programa – já era apaixonada pelo trabalho do cara e não sabia que a vida me levaria a perpertuar essa paixão). Tinha: As aventuras de TIM TIM, Cocoricó, Sítio do Pica-Pau Amarelo e outros mil... TV cultura era mais “alternativo”, mas também curtia outras coisas, nem todos gostavam dos programas educativos da Cultura, aí tinha: TV colosso, Xuxa, O fantástico Mundo de Bobby, Eek the cat (do gato rocho), Papaléguas, Tom e Jerry, Capitão Planeta (já era uma pequena ambientalista viu), Doug Funny (- Patti você é minha maionese ôôô. Você é o açúcar do meu chá. Patti você é o molho do meu cachorro quente... ai ai ai). Cavaleiros do Zodíaco, Ursinhos Carinhosos, Thunder cats, He-man, Caverna do Dragão (alguém sabe me dizer se eles voltaram para o parque?), Batman, Família Addams e tantos outros, além de filmes, séries e por aí vai.
Atari já tava saindo, Nintendo bombava e confesso que video-game foi e é um vício ainda. Se não tava na rua ou no sítio, tava entocada em casa jogando ou fazendo campeonato de Super Mário, futebol, corrida de carro.
Quando tinha uns 3 anos sofri um acidente em casa (isso em Rio Branco), achei que era a mulher invisível e me estabaquei na porta de vidro da sala dos meus avós, resultado - um pedaço de vidro no abdômen e uma cirurgia pra tirar os cacos = dois belos cortes na barriga, mas... se teve uma coisa boa dessa experiência foram os presentes pós operatórios... Ganhei brinquedo de todo jeito, bicicleta e um Vídeo-Game, não lembro se era mega drive, mas lembro que vinha com o joguinho do Sonic “MEOOOO DEUSSS” foi um dos melhores presentes da minha vida, meu pai maluco prometeu me dar se eu deixasse ele mesmo tirar os pontos da minha barriga (DÁ PRA CRÊR?).
Depois veio o Super Nintendo com os clássicos Mário, Top Gear, Aladim, Donk Kong, Campeonato Brasileiro 96, meus primos jogavam RPG, coisa que só vim entender uns anos depois, eram: Final Fantasy, Zelda, Castlevania, (jogo de nerd). Hoje eu jogo! kkkk
Não tive muita Influência musical, mas a paixão já existia, passei meses com o cd do Kid Abelha (isso aos 8 anos, eu acho), cd de alguém que não lembro bem, mas passava dias cantando (fazer amor de madrugada – EM CIMA DA PIA DEBAIXO DA ESCADA). Roubei o Skank do meu pai (pacato cidadão, ô pacato da civilização... é proibido fumar – MACONHA!), adoraaaaava e nem sabia o que era MACONHA que tanto a galera cantava no finalzinho do refrão kkk Também teve a fase do "entrei de gaiato no navio... entrei, entrei, entrei pelo cano..." - (Paralamas do Sucesso). Meus primos ouviam Legião, mas só fui gostar mais tarde, meu primeiro contato foi num livro de história do Brasil que tratava da descoberta do Brasil – logicamente, tinha um trecho da música “Índios”, fui perguntar pra minha prima Clênia como se cantava e ela sempre paciente comigo disse: - Tá tá tá. (Jura que ela me ouviu né! Boiei legal...) Depois de um tempo, no ano dos apagões, lembra...? Bom, num desses dias de apagões, tive a brilhante idéia de passar a vassoura no pé da Clênia (a prima-ogro, a que não me ouvia, citada anteriormente kkk), pois bem! Ela pensou que era uma aranha a porra da vassoura no pé! VÉÉÉÉIIII... Clenia pegou um PUTA susto e eu só tive tempo de dar um risadinha, porque ela me deu um soco nas costas que quase descola o meu pulmão! Passei duas horas respirando com dificuldade! kkkk Eu era uma peste, ela era um ogro... isso ia dar em merda de qualquer forma!
Ainda falando de música, volta e meia eu ouvia Alanis, Legião, Paralamas, Titãs, Pato Fu (lá a MTV era grátis) o que de certa forma me inspirou...
Sendo assim posso dizer que tive SIM uma boa infância, os prazeres das brincadeiras na rua, a época que palmada pra educar não dava cadeia e ajudava sim na educação, o hábito de pedir a bênção dos pais, tios, avós, o respeito aos mais velhos, a chegada do Karaokê, a mudança das mídias de fita para CD, o prazer de almoçar em família e não cada um no seu quarto. Na curiosidade em saber da vida de alguém não xeretar uma página na internet, mas ler os cadernos de pergunta e resposta que rolavam na escola e no bairro, de ter um melhor amigo real.
Acredito que houve equilíbrio entre o que era tradicional e o acesso ao novo, o processo de crescimento junto com a cidade, as tecnologias, a mudança, sem perder o contato com o verde, com o rio, com os bichos, o respeito herdado para com a natureza.
Hoje, não sendo extremista, afinal o mundo muda e tenta ser pra melhor, mas HOJE, vendo minhas irmãs que são 10, 8 e 7 anos mais novas que eu, vejo o quanto elas perderam de bom da minha época.
Hoje, além dos problemas ambientais sérios e desastrosos, das dificuldades econômicas e sociais relatadas todos os dias e geradas pelo crescimento necessário, porém irresponsável, há também algo que o novo, que o futuro trouxe, e que não nos faz muito bem...
A AUSÊNCIA DO CONTATO COM TATO!
Por exemplo: Olhe no seu Orkut, quantos “amigos” você tem nas redes sociais. Conte quantos estão lá porque você conhece de fato, por estarem inseridos na sua rotina, intimamente, afetivamente, ou mesmo profissionalmente, mas que você conversa, olha no olho, almoça junto ou sei lá. Que você conviveu ou convive, que você TOCA, que (mesmo a distância) são importantes e efetivos em sua vida. Após isso, separe quantos viu uma vez na vida e adicionou para posteriores contatos e os que não vê ou verá nunca, que estão somente sendo números ali, sem o mínimo de carinho ou afetividade. REFLITA SOBRE ESSES NÚMEROS!
O que não podemos deixar é que nossos sentidos morram! É deixar que um scrap para seu amigo substitua uma ligação, um encontro, um abraço, uma bebedeira...
Às vezes me pego presa a uma tela mandando mensagens a pessoas que amo mas que não vejo a meses, mesmo morando na mesma cidade, no mesmo bairro, mesmo amando de verdade essas pessoas...
Mensagem, torpedo, contato são importantes, pois se encaixam perfeitamente como complemento das relações, mas isso não substitui seu toque, sua presença, seu colo, abraço, beijo... Então aproveite um dia dessa semana, desligue o computador e vá ver alguém, um amigo, alguém que verdadeiramente ama, distribua carinho, relembre, sinta...
Bem vindo à tribo do abraço!
Boa semana queridos.